quinta-feira, 19 de julho de 2012

Mais uma lei que não pegou?




por Washington Novaes*
Teremos mais uma “lei que não pegou”, a que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (12.305/10)?
Aprovada pelo Congresso Nacional, a lei deu prazo até o dia 2 de agosto para que todos os 5.565 municípios apresentem ao governo federal planos e ações para essa área, consolidados em cada um no Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, sem o qual não poderão receber transferências voluntárias de recursos da União. Quantos municípios o terão apresentado?
Certamente, uma minoria ínfima.
Porque os planos deverão determinar o fim dos “lixões” (que são mais de 2.900 em 2.810 municípios), a logística reversa (para recolhimento de embalagens pelos geradores), planos de coleta seletiva em todos os municípios (só 18% deles a têm para pequenas partes do lixo, menos de 1,5% vai para usinas públicas; a Holanda recicla 80%), possíveis consórcios intermunicipais. Isso quando se afirma que o país gera por dia mais de um quilo de lixo domiciliar por pessoa, mais de 200 mil toneladas/dia, mais de 60 milhões de toneladas/ano.
Diz o Ministério do Meio Ambiente que não prorrogará o prazo. Mas, na verdade, a lei começou a não ser cumprida ainda no Congresso, quando o relator do projeto aprovado na Câmara dos Deputados, senador Demóstenes Torres, em combinação com outros senadores, suprimiu do projeto o dispositivo que só permitia incineração do lixo se não houvesse outra possibilidade – reaproveitamento, reciclagem, aterramento – e não o devolveu à Câmara, como manda a legislação; mandou direto para o então presidente Lula, que o sancionou.
Ante os protestos de cooperativas de recolhimento e reciclagem, prometeu mudar na regulamentação da lei – mas não o fez.
O panorama brasileiro na área é constrangedor. Metade do lixo domiciliar total, que é orgânico, poderia ser compostada e transformada em fertilizantes (para canteiros, jardins, parques, replantio de encostas, etc.), mas é sepultada e apressa o fim dos aterros, assim como centenas de milhares de toneladas anuais de resíduos agroindustriais (aproveitáveis para gerar energia).
Uma ideia brutal do desperdício é o recém-fechado Aterro de Gramacho (RJ), onde, ao longo de 34 anos, se formou uma montanha de 70 metros de altura e 1.300 quilômetros quadrados de resíduos, sem coleta de chorume e metano (l8 mil metros cúbicos por hora).
Para servir ao Rio de Janeiro e mais quatro municípios.
Com tantos desperdícios as despesas municipais com o lixo vão para as alturas. A cidade de São Paulo, por exemplo, já próxima de 18 mil toneladas diárias, só em varrição gasta R$ 437 milhões anuais para pagar a cinco empresas de limpeza de ruas (Estado, 28/11/2010).
Ainda assim, segundo o IBGE, o lixo espalha-se nas ruas onde estão as casas de 4% dos paulistanos, perto de 500 mil pessoas (Folha de S.Paulo, 6/7).
E 400 toneladas a cada dia têm ido parar na Represa Billings (Estado, 28/11/2010).
O custo de um novo aterro para a cidade foi orçado (26/3/2010) pelas empresas de limpeza em mais de R$ 500 milhões, para receber apenas duas mil toneladas diárias.
Não é um drama paulistano apenas, é global.
O mundo, diz a revista New Scientist (4/8/2010), já produz mais de um quilo de resíduos por pessoa por dia nas cidades, quatro milhões de toneladas diárias, mais de um bilhão de toneladas anuais.
É um dos componentes da insustentabilidade do consumo global, tão discutida na recente Rio+20.
O desperdício na maior cidade norte-americana é de um quarto a um terço dos alimentos, em cujos produção, distribuição e processamento são consumidos 15% da energia total no país (e este, com 5% da população mundial, consome 20% da energia total).
Cada família desperdiça US$ 600 por ano com alimentos que nem chega a consumir.
Será inútil esperar que o Ministério do Meio Ambiente possa socorrer os municípios que disserem não ter recursos para cumprir a lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Seu orçamento total para este ano (Contas Abertas, 2/7) não passa de R$ 4,1 bilhões, menos de 1% do Orçamento da União, e está contingenciado em R$ 1,1 bilhão.
Não tem recursos sequer para suas tarefas básicas, para a fiscalização, para quase nada.
Continuará o desperdício. Já tem sido mencionado neste espaço estudo da Unesp-Sorocaba em Indaiatuba (125 mil habitantes) que mostrou serem reutilizáveis ou recicláveis 91% dos 135 mil quilos diários de resíduos domiciliares levados para aterros (apressando o seu esgotamento). Experiências em Goiânia e outros lugares já demonstraram que com coleta seletiva adequada, reciclagem (papel, papelão, PVC), revenda de materiais (alumínio e outros metais, vidro, madeira), compostagem de lixo orgânico é possível reduzir a apenas 20% os resíduos encaminhados a aterros (prolongando a sua vida útil).
E ainda não se está falando de resíduos de construções (que costumam ter tonelagem maior que a do lixo domiciliar), lixo industrial, resíduos de estabelecimentos de saúde e outros, cujos custos de recolhimento e disposição final costumam correr por conta das prefeituras.
O Conselho Nacional do Meio Ambiente até já reduziu exigências para implantar aterros que substituam lixões. Mas não parece provável que se tenha evoluído na área. Mesmo porque persiste uma pressão para que os municípios, principalmente os maiores, adotem como caminho – caro e perigoso – a incineração de resíduos, que implica também a necessidade de gerar cada vez mais lixo.
Quase todas as grandes empresas da área de coleta de resíduos – que são das maiores financiadoras de campanhas eleitorais no país – têm hoje empresas de incineração. Em ano eleitoral, então, a sedução e a pressão parecem irresistíveis.
Mas o caminho ideal seria que cada gerador de resíduos (domiciliar, industrial, da construção, agrícola, etc.) passasse, por lei, a ser responsabilizado pelos custos proporcionais do que gera – como se faz em todos os países que evoluíram nessa área.
* Washington Novaes é jornalista.

** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.



Se você for pobre, evite ficar doente no inverno


por Leonardo Sakamoto*



Estou convalescendo de uma pneumonia chata, que quase me fez botar os pulmões para fora de tanto tossir e me elevou à temperatura de chapa de X-salada.
E o fato de alguém ter esquecido a porta da geladeira do mundo aberta nesse inverno paulistano não ajuda em nada a melhorar o desconforto.
Por ter acesso a bons serviços de saúde, o diagnóstico e o tratamento foram rápidos, sem as agruras de uma fila sofrida para atendimento ou para exames básicos.
Como já disse antes, faço parte daquela parcela da população dependente de remédios para ter uma vida normal.
No meu caso, uma cardiopatia. Infelizmente, para quem não gosta deste blog, ela está controlada.
Pelo menos no curto prazo.
E, no longo, todos seremos adubo.

Já fiz esse inventário aqui, mas retomo a lista.
Devido ao jornalismo, peguei muita pereba nesta vida.
De malária, foram duas, falciparum, uma em Timor Leste e outra em Angola, durante coberturas.
Não digo isso com orgulho, pelo contrário.
Jornalistas da antiga contam que mediam-se carreiras pelo número de doenças tropicais contraídas.
Mas o tempo passou e a régua foi para a quantidade de textos censurados pela Gloriosa, depois para processos na Justiça até o número de discursos inflamados de congressistas indignados.

Dengue foi uma, no interior da Paraíba, doída – sem manchas, pelo menos.
Teve uma mononucleose do Punjab paquistanês.
 Dizem que é chamada de “doença do beijo”, pela forma de transmissão – a explicação que trouxe para casa (e que colou, pois Alah é grande) foi de que em muitos vilarejos, durante as refeições, o uso do copo era coletivo.
Outra vez, alguma porcaria se alojou perto do meu coração, gerando uma pericardite – o que me deixou uma semana internado, recebendo boa comida. Nessa, achei que ia empacotar, tamanha a dor no peito no começo.
Foi um período tranquilo, sem muita gente ligando, cobrando textos ou dívidas.
Viroses e afins não entraram na lista, mesmo que ferozes, porque aí teríamos uma capivara e não um post.
Aliás, a virose é a “pescada” da medicina.
É aquela coisa genérica, que muitas vezes nem o médico sabe o que é, mas, pelos sintomas, recebe o tratamento básico – água, alimentação leve, um analgésico e repouso.
E como jornalismo é uma profissão relaxante e o Brasil nem tem problemas na área de direitos humanos, “estresse” também não foi incluído.
Um amigo que sofre de outro mal crônico matutou que talvez sejamos exemplos vivos de que a humanidade conseguiu dar um nó na seleção natural.
Se deixassem a natureza seguir seu curso, seres malfeitos como eu e ele estariam naturalmente fadados a ser peça empalhada de museu: “Mãe, olha lá, aquele japa era um cardíaco, não?”.
Bateríamos as botas antes de atender ao divino chamado de multiplicar – ou no momento de cumprir esse chamado.
Hoje, não mais. Os fortes é que sobrevivem? Pfff! Esqueça.
Os remendados, como nós, é que herdarão a Terra.
Nossa vantagem competitiva?
Ter sempre à mão uma boa dispensa com medicamentos, além de médicos competentes.
Digo parcela da população porque posso comprar remédios de ponta, que funcionam e têm poucos efeitos colaterais, por exemplo.
Sucesso garantido graças a exigentes testes realizados à exaustão pelas maiores indústrias farmacêuticas do mundo em milhares de “voluntários” de classes sociais mais baixas.
Milhões de pessoas morrem anualmente no mundo por causa da malária e outros tantos pegam a doença – a quase totalidade oriundos de países ou regiões pobres do planeta.
A relação de casos letais/investimento em cura é maior nas doenças que acometem a parte rica da população do que a parte pobre.
 A pesquisa para a busca da cura do câncer recebe muito mais que pesquisas para doenças causadas por parasitas que afetam bilhões.
E quando uma pessoa que tem acesso a recursos privados de saúde, como eu ou o doutor Drauzio Varella (que pegou febre amarela e narrou a experiência no belo livro O Médico Doente), fica ruim, há chance maior de cura do que alguém que depende de si mesmo, do poder público e de suas filas.
Pois parte da população vive no Século 21 da medicina, enquanto outros ainda engatinham pela Idade Média das esperas em hospitais, dos remédios inacessíveis, da falta de saneamento básico e da inexistência de ações preventivas.
Nada de novo.
Na prática, quem consegue jogar xadrez com a Dona Morte e enganá-la por um tempo são os mais ricos, que possuem os meios para tanto.
Os mais pobres, por mais que tenham força de vontade e queiram continuar vivendo, não necessariamente conseguem a façanha.
Vão apenas sobrevivendo, apesar de tudo e de todos, ajudando com seu trabalho e, algumas vezes, como cobaias, os que ganharam na loteria da vida a terem uma existência mais feliz.



* Publicado originalmente no site Blog do Sakamoto.



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