Cidadela quer dizer “fortaleza que defende uma cidade” e veio do Italiano cittadela, “pequena cidade”, de città, “cidade”, do Latim civitas, “cidade”.
Naturalmente, as pessoas que habitavam uma cidade eram os cidadãos.
Uma palavra com o mesmo significado de cidadela, aplicada especialmente à cidade de Atenas, é acrópole, de akropolis, formada por akros, “mais alto”, e polis, “cidade”.
Multiplicam-se os estudos sobre aspectos específicos do tema como a cidadania ativa (Maria Victória de Mesquita Benevides), a cidadania regulada — já chamada "estadania" — (Wanderley Guilherme dos Santos), "a geografização da cidadania" (Milton Santos), a cidadania urbana e rural, a cidadania dos trabalhadores etc. Mas parece importante fixar tanto uma idéia-base quanto sua evolução no tempo. Isto porque se percebe que em muitos casos o essencial do problema acaba ficando de fora.
Ao longo da história, pelo menos três visões distintas da cidadania se sucederam.
A visão medieval, a liberal ou moderna e a atual são distintas mas conexas, como veremos.
Da ausência de submissão pessoal passou-se à noção de simples titularidade de direitos e desta à atual, concernente ao gozo efetivo dos direitos individuais, coletivos, sociais e políticos (ou de participação na vida política), todos embasados na nacionalidade — o direito a ter direitos (sobre a classificação dos direitos fundamentais, v. José Afonso da Silva).
Com efeito, a noção atual de cidadania é a de fruição concreta desses direitos todos, necessários e fundamentais para a expansão da personalidade humana.
Mas para que se chegasse a ela um longo caminho teve antes que ser percorrido.
É importante, desde logo, esclarecer que os direitos da cidadania não se confundem com os direitos humanos, embora haja uma zona comum entre eles.
Dalmo Dallari, por exemplo, em textos e aulas, deixa claro esta diferenciação quando analisa, em profundidade, a problemática dos direitos humanos no mundo atual.
Pode-se dizer, em suma, que os direitos da cidadania dizem respeito aos direitos públicos subjetivos consagrados por um determinado ordenamento jurídico, concreto e específico.
Já os direitos humanos — expressão muito mais abrangente — se referem à própria pessoa humana como valor-fonte de todos os valores sociais (Miguel Reale).
A discussão sobre os direitos humanos (direito à vida, direito a não ser submetido à tortura, direito a não ser escravizado, direito a uma nacionalidade etc) se coloca, pois, num outro plano de análise teórica.
No plano do global, do universal, numa perspectiva jusnaturalista, e não do positivo e tópico.
A autonomia das cidades medievais na Baixa Idade Média (sécs. XII a XV), transformou-as num lugar privilegiado para o exercício da liberdade. Liberdade entendida aqui como libertação da servidão.
O servo da gleba fugia então dos feudos e penetrava nos muros da cidade, onde se considerava ao mesmo tempo protegido e livre do senhor feudal e da sujeição que devia a ele (a vassalagem).
Daí o dito que demonstra o "espírito da época" (cf. Maria Encarnação B. Spósito): "O ar da cidade é o ar da liberdade" ou, melhor, "o ar da cidade é libertador" (Stadtluft macht frei).
Tratava-se, como é claro, de uma liberdade de fato, o que não impedia de torná-las pólos de atração para uma população que crescia desde o século XI.
Mas, ligado ao renascimento do comércio, o processo de urbanização da Europa da Idade Média — um fenômeno complexo e controvertido — era "lento demais para permitir às cidades absorver a imigração em massa da população rural" (Bronislaw Geremek).
Surge, então, uma massa de miseráveis — os excluídos — que tornam-se um elemento constante da paisagem social da Europa, muito embora a pobreza não tenha certidão de nascimento (id).
Quer dizer: paradoxalmente, liberdade e pobreza caminhavam juntas pois, com efeito, a liberdade — que não se confunde com a libertação — pode se reduzir ao direito de morrer de fome (ainda não se cogitava da transformação do freedom from no freedom to).
É interessante notar que a etimologia da palavra "cidadão" remete obviamente à "cidade" (do latim civitas, que, no mundo romano, corresponde a pólis, a Cidade-Estado dos gregos). Isto significa que, na origem, a idéia-força da cidadania diz respeito à idéia da liberdade — real ou ilusória — de que dispunha o habitante da cidade em comparação com o servo da gleba, no limiar do sistema capitalista.
A palavra "cidadão" surge no português em 1361, segundo o "Dicionário Etimológico" de José Pedro Machado (outro dicionarista, Antonio Geraldo da Cunha, aponta seu aparecimento no século XIII), sendo certo no entanto que, no século XVIII, expandiu-se através do francês (citoyen) e do imaginário da revolução.
Assim, as expressões "direito à cidade" e seu derivativo "direito da cidadania" têm, hoje, significados muito próximos: são as liberdades públicas vistas ex parte populi (O desenvolvimento do capitalismo diluiu estruturalmente a velha dualidade cidade-campo.
Nos séculos seguintes, a expansão do capitalismo tornou necessária a definição de um quadro institucional que garantisse o novo modo de produção. O Estado moderno se consolida, então, na data emblemática de 1648 (Paz de Westphália que pôs fim à Guerra dos Trinta Anos) lutando, ao mesmo tempo, contra a autonomia das cidades medievais e contra as pretensões do império.
E por isso nasce absolutista, concentrando poder político.
Em reação a isso e à possibilidade de "abuso" do poder, diversas teorias surgiram buscando limitar o poder do Estado para salvaguardar as liberdades: a "separação de poderes" (Montesquieu e Locke); os direitos naturais, a democracia ou a soberania popular (Rousseau).
Na Revolução Francesa estas teorias são consagradas e ganham um estatuto jurídico.
Seu mais importante documento é, sem dúvida, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que, como informa o Preâmbulo, se destina a resgatar os direitos naturais dos homens, os quais estavam esquecidos.
Direitos esses que estão elencados no artigo 2º: liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão (o último logo esquecido).
São direitos individuais e, como tais, quase coincidem com o caput do artigo 5º da Constituição Brasileira de 1988 que arrola o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
O cidadão passa a ser, assim, um titular de direitos individuais num Estado regido por leis e não mais um súdito do reino.
No ano de 1774, Beaumarchais, em famoso discurso, proclamava: "Eu sou um cidadão, isto é, alguma coisa de novo, alguma coisa de imprevisto e de desconhecido na França".
Não importava se tais direitos estavam sendo de fato exercidos ou não (inverte-se a questão): juridicamente eles estavam sendo afirmados.
É importante grifar que, a partir da Revolução Francesa, consolida-se a idéia de "liberdades públicas" (ou, tecnicamente, direitos públicos subjetivos) que nada mais são do que os direitos do homem consagrados pelo direito positivo ou, em outras palavras, os poderes de autodeter-minação reconhecidos e organizados pelo Estado (Jean Rivero).
No entanto, a expressão "liberdades públicas", no plural, só vai surgir tardiamente com a Constituição francesa de 1852 (art. 25). Antes do século XVIII, era impossível pensar-se em direitos subjetivos oponíveis ao Estado, que caracterizava-se, como dito, pelo absolutismo monárquico.
Um Estado verdadeiramente democrático, e, além disso, "poroso", "permeável", que abra canais de participação popular no Governo e na Administração pública, valorizando-a a base verdadeira desta transformação está na educação política (em sentido amplo) do povo, envolvendo tanto a participação na vida coletiva quanto a educação para a ética na política.
Segundo o pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), artigo 13, a educação deve capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre.
Ela é, na verdade, uma "precondição para o exercício da cidadania" (Evaldo Vieira).
Assim, a educação, além de ser um direito social básico e elementar, é também o caminho — ou a condição necessária — que vai permitir o exercício e a conquista do conjunto dos direitos da cidadania, que se ampliam a cada dia em contrapartida às necessidades do homem e da dignidade humana.
Além do que os direitos da cidadania não são apenas oponíveis ao Estado, mas também em face da atuação de outros particulares que não os respeitam, como se verifica, por exemplo, no caso da poluição.
Como sublima Milton Santos, "a cidadania, sem dúvida, se aprende". Tanto assim que a Constituição Federal, no artigo 205, estabelece que a educação — direito de todos e dever do Estado e da família — deve visar o pleno desenvolvimento da pessoa humana, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, que é também, como vimos, uma das várias dimensões da idéia-força da cidadania. Ela se amplia na medida em que se afirma como prática social, para além dos textos legais.
Cumpre, ao cabo, concluir que o processo de construção da cidadania é antigo e não tem fim.
Não se completa nunca.
"Onde quer que seja, existirão sempre homens e mulheres, grupos e indivíduos singulares, minorias e estratos particulares, submetidos a algum tipo de humilhação, degradação, injustiça ou opressão" (Marco Aurélio Nogueira) e, por isso, reivindicando direitos em concreto, exigindo a fruição efetiva das liberdades públicas.
Fontes: CIDADANIA: ESBOÇO DE EVOLUÇÃO E SENTIDO DA EXPRESSÃO - José Roberto Fernandes Castilho + Claudio Correa / em http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista2/artigo8.htm
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