Gostar de rock começa a pesar na avaliação profissional
Marcelo Moreira
Por mais preconceituoso que seja, não dá para fugir: a forma como a pessoa fala, se veste, age
, trabalha, dirige e muitas coisas mais dizem muito sobre o indivíduo.
Dá para julgar cada um por esse tipo de coisa? Cada um avalie da forma como achar melhor.
Da mesma forma, os hábitos culturais – os livros que lê, a música que ouve, os eventos frequenta –
também dizem bastante sobre as pessoas. Existe a chance de se errar por completo, mas faz parte
do jogo.
Dois fatos importantes, apesar de corriqueiros, mostram que os apreciadores de rock podem ter
esperança de dias melhores, apesar dos casos recorrentes de preconceito explícito e perseguição
por
conta do gosto pessoal em pleno século XXI – algumas dessas excrescências têm sido narradas aqui
em textos no Combate Rock.
No começo de agosto um gerente de uma grande multinacional instalada no ABC (Grande São Paulo)
penava para contratar um estagiário para a área de contabilidade e administração. Analisou diversos
currículos e entrevistou 24 jovens ainda na faculdade ou egressos de cursos técnicos.
Conversou com todo o tipo de gente, do mais certinho ao mais despojado, do mais conservador
à mais desinibida e modernosa. Preconceitos à parte, procurou focar apenas a questão técnica
e os conhecimentos exigidos
.
Alguns candidatos até possuíam a maioria dos requisitos exigidos, mas acabaram desclassificados
em um quesito fundamental para o gerente: informação geral, que inclui hábitos culturais.
O escolhido foi um rapaz de 20 anos, o penúltimo a ser escolhido. Bem vestido, mas de forma
e de se expressar de forma razoável, bem acima da média.
Durante as perguntas, o gestor observou que o garoto segurava um livro e carregava um iPod.
O livro era a biografia de Eric Clapton. Após a quinta pergunta, direcionou a conversa
para conhecimentos gerais e percebeu que o rapaz lia jornais e se interessava pelo noticiário.
“Você gosta de rock?”, perguntou o gerente. “Sim, e de jazz também”, respondeu o garoto.
O entrevistador não se conteve e indagou se o rapaz se importava de mostrar o que o iPod continha.
E viu um gosto eclético dentro do próprio rock: havia muita coisa de Black Sabbath, Deep Purple
AC/DC, mas também de Miles Davis e big bands.
“Não aprecio rock, não suporto o que minhas filhas ouvem, mesmo seja Rolling Stones,
meu negócio é Mozart, Bach e música erudita. Mas uma coisa eu aprendi nas empresas
em que passei e nos processos seletivos que coordenei: quem gosta de rock geralmente
é um profissional mais antenado, que costuma ler mais do que a média porque se interessa
pelos artistas do estilo. Geralmente são mais bem informados sobre o que acontece no mundo
e respondem bem no trabalho quando são contratados. Nunca me arrependi ao levar
em consideração também esse critério”, diz o gerente.
O resultado é que o garoto foi contratado após 15 minutos de conversa,
enquanto cada entrevista com os outros candidatos durava 40 minutos.
“Não tive dúvida alguma ao contratá-lo. E o mais interessante disso: percebo que
essa é uma tendência em parte do mercado há pelo menos três anos,
pois converso muito com amigos de outras empresas e esse tipo de critério
está bastante disseminado. Quem gosta de rock é ao menos diferenciado”, finalizou o gestor.
Já em uma escola particular da zona oeste de São Paulo, do tipo mais alternativo e liberal,
o trabalho de conclusão do ensino médio era uma espécie de
TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) das faculdades.
A diferença é que, para não ter essa carga de responsabilidade
, foi criado uma espécie de concurso para premiar algumas categorias de trabalhos –
profundidade do tema, ousadia, importância social e mais alguns critérios.
O vencedor geral foi o de uma menina esperta de 17 anos,
filha de um jornalista pouco chegado ao rock, mas com bom gosto para ouvir jazz e blues.
O trabalho tentava traduzir para a garotada a importância dos Beatles para a música
popular do século XX.
Para isso realizou uma ampla pesquisa sobre as origens do blues, do jazz,
da country music norte-americana e traçou um panorama completo da evolução do rock
desde os primórdios até os megashows de Rush, AC/DC, U2 e Metallica.
Seu trabalho contou ainda com a defesa de uma tese em frente a uma banca de professores.
O resultado é que,
além do prêmio principal – placa de prata e uma quantia em dinheiro
em forma de vale para ser gasto em uma livraria –,
acabou sendo agraciada com a proposta de transformar seu trabalho em um pequeno livro
, bancado pela escola. Detalhe: a reivindicação partiu dos colegas da menina,
que ficaram fascinados com a história do rock – poucos deles eram íntimos do gênero,
pelo que o pai da menina me contou.
Seria um flagrante exagero afirmar que gostar de rock facilita a obtenção de emprego ou estágio
– ou que quem gosta de rock é muito melhor aluno do que os outros nas escolas.
Mas o simples fato de haver reconhecimento de que apreciar rock frequentemente leva
a uma situação diferenciada já é um alento diante dos seguidos casos de intolerância e preconceito.
Gostar de rock não torna ninguém melhor ou pior, mais ou menos competente,
mais ou menos inteligente.
Mas os casos acima mostram que o roqueiro pode se beneficiar de situações em que é possível
se mostrar diferenciado, mostrando uma cultura geral acima da média e mais versatilidade
no campo profissional.
E o que é melhor, isso começa a ser reconhecido por um parte do mercado.
Bom gosto não se discute: adquire-se.
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