quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

A primavera das bicicletas


por Estrella Gutiérrez*
BicicletasBogota TERRAMÉRICA   A primavera das bicicletas
Um milhão de pessoas usam a cada domingo as ciclovias recreativas, que fecham algumas das principais ruas da capital colombiana.
Caracas, Venezuela, 16 de dezembro de 2013 (Terramérica).- “Diariamente percorro 43 quilômetros e isso me agrada”, diz Carlos Cantor, em Bogotá. “Há cinco anos troquei o carro pela bicicleta”, afirma Tomás Fuenzalida, de Santiago. Ambos expressam a primavera das bicicletas como solução de transporte na América Latina. Mas na segunda região mais urbana do mundo, a bicicleta cresce em um processo algumas vezes ensolarado e noutras nublado, diz o estudo Bicidades 2013, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), sobre os avanços desse meio sustentável em cidades grandes e médias.
O informe, baseado em pesquisas e solicitado pela Iniciativa Cidades Emergentes e Sustentáveis do BID, registra que entre 0,4% e 10% da população usa a bicicleta como transporte principal. Entre as cidades pesquisadas, a boliviana Cochabamba lidera a lista com 10% da população. Em seguida estão La Paz e Assunção, com 5%. Todas elas se incluem como cidades emergentes, com cem mil a dois milhões de habitantes. Entre as grandes urbes, em Santiago do Chile e Cidade do México, 3% da população tem na bicicleta seu principal transporte, seguidas por Buenos Aires e Bogotá, com 2%.
Bogotá afirma ser “ícone mundial na promoção das ciclorrotas”, como se chamam na Colômbia as ciclovias, com 376 quilômetros confinados e mais 120 de vias recreativas, com ruas interrompidas ao tráfego de carros nos dias festivos. Cantor, comunicador social de 58 anos, fez uma pausa em seu trajeto diário para contar ao Terramérica sua experiência. “É um deslocamento rápido, porque não tem congestionamento, e em algumas partes até desfruto de vegetação e tranquilidade. É um ambiente solidário e se faz amigos”, afirmou.
A Secretaria de Mobilidade do Distrito Capital calcula que em Bogotá, com cerca de oito milhões de habitantes, há aproximadamente 450 mil que usam bicicletas, majoritariamente operários, seguidos por estudantes de setores populares. As ciclovias recreativas remontam a 1974 e são usadas a cada domingo por um milhão de pessoas. “A ciclovia (recreativa) me encanta, a uso todos os domingos, mas as ciclorrotas não, porque muitas são incompletas, com trechos para compartilhar com automóveis e ônibus, e me dá medo”, explicou ao Terramérica a estudante de direito Carolina Mejía. “Além disso, a insegurança é grande”.
Segundo Cantor, “a insegurança é certa, todos os dias há roubos de bicicletas e seu comércio é muito alto. Em segundos, com um spray mudam a cor e sua bicicleta desaparece. Mas aprendemos a usar as que não são tão pretensiosas, e colocar marcações que dificultam seu comércio clandestino”. Fuenzalida, de 44 anos, substituiu o automóvel pela bicicleta na capital chilena “pela saúde”, porque faz exercício “sem pegar um só peso na academia” e porque “é muito mais agradável andar de bicicleta do que de metrô, por exemplo”.
Ele não pedala apenas para ir ao trabalho, mas também para levar os filhos na escola, para ir a reuniões ou visitar a família. Para gente como ele, a prefeitura de Santiago implanta o Plano Mestre de Ciclovias para estender esses caminhos para 933 quilômetros. Atualmente somam 215 quilômetros, com outros 130 em municípios rurais vizinhos. Não chamada Grande Santiago vivem mais de cinco milhões de pessoas.
“Este é um dos pilares para aumentar o uso de bicicletas e para que a cidade e os santiaguinos percebam os benefícios em descongestionamento, saúde e cuidado ambiental”, afirmou ao Terramérica a ministra secretária-geral do Governo, Cecilia Pérez. O intendente metropolitano, Juan Antonio Peribonio, declarou ao Terramérica que o plano estará pronto em 2022 e que também estão sendo construídos trechos de ligação das ciclovias existentes. A isso se soma um sistema de bicicletas públicas para incentivar este transporte alternativo.
No entanto, nem tudo é bom para os ciclistas. “Às vezes há pedestres, taxistas ou motoristas que me xingam, me chamam de burra. Devem se acostumar com meu direito de andar pela rua como eles”, contou Laurie Fachaux, uma jornalista francesa de 28 anos, há poucos meses no Chile. A psicóloga Antonia Larraín, de 37 anos, acredita que parte do problema é a falta de regulamentação que proteja os ciclistas. “Se há acidentes, há total impunidade”, lamentou essa mulher que diariamente pedala 13 quilômetros para ir e voltar ao trabalho.
A outra face quem mostra é Enrique Rojas, de 50 anos e 30 como taxista em Santiago. “Os ciclistas são imprudentes, cruzam entre os carros e não respeitam os sinais. Muitas vezes quase atropelo algum porque não respeitou o sinal vermelho ou pedalava sem luz à noite”, disse Rojas ao Terramérica. “Os ciclistas também deveriam ser obrigados a ter carteira de habilitação e as bicicletas deveriam ter placas. Não podem pegar a bicicleta e não se preocupar com nada, deixando sua segurança nas mãos de outros”, queixou-se o taxista.
A bicicleta também avança na Cidade do México, com oito milhões de pessoas, aos quais se somam outros 11 milhões em sua área vizinha. “Foi um processo relativamente curto”, explicou Xavier Treviño, diretor do escritório mexicano do não governamental Instituto de Políticas para o Transporte e o Desenvolvimento (ITDP). “Seu maior êxito foi colocá-la como meio opcional e sua maior fortaleza a promoção”, detalhou ao Terramérica.
O emblema das duas rodas na capital mexicana é o sistema de Transporte Individual Ecobici, que desde seu lançamento em 2010 soma 87 mil usuários, com quatro mil bicicletas distribuídas em 275 estações ao longo de 22 quilômetros. Para usar o sistema é preciso se registrar e pagar US$ 31 por ano. Além disso, a Cidade do México tem 90 quilômetros de ciclovias confinadas e não confinadas. “Sistemas como o Ecobici incentivam a continuar crescendo. É uma inércia positiva. Mas falta infraestrutura. Todas as vias primárias devem ter infraestrutura para bicicletas”, opinou Treviño.
Segundo o Bicidades 2013, quase todas as 18 cidades emergentes e seis grandes pesquisadas contam com ciclovias permanentes, menos Assunção e a colombiana Manizales. Somente Bogotá, Buenos Aires, Cidade do México, Assunção, La Paz e Montevidéu têm regulamentações sobre pedalar no trânsito urbano, como pede o taxista Rojas. Envolverde/Terramérica
* A autora é correspondente da IPS, com colaborações de Helda Martínez (Bogotá), Emilio Godoy (Cidade do México) e Marianela Jarroud (Santiago).
 Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação apoiado pelo Banco Mundial Latin America and Caribbean, realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.

Um festival para o lixo


por Fabiana Frayssinet*
ArgentinaLixaoBouwer TERRAMÉRICA   Um festival para o lixo
Uma pequena parte do lixão de Bouwer. Foto: Cortesia Bouwer Sin Basura
Bouwer, Argentina, 16 de dezembro de 2013 (Terramérica).- É tradição cada povoado ter uma festividade associada ao que mais o caracteriza. O povoado de Bouwer, na província de Córdoba, centro da Argentina, decidiu “comemorar” o lixo. O Primeiro Festival Provincial da Contaminação e Contra a Discriminação não é motivo de orgulho, mas instrumento de resistência de um município contra continuar sendo a “zona de sacrifício ambiental” de Córdoba.
No festival, que está sendo organizado para o dia 22 de fevereiro, essa localidade de dois mil habitantes, 17 quilômetros ao sul da capital provincial, “terá assado com couro – prato típico de carne argentina – e vários artistas”, segundo os cartazes. Durante 28 anos, Bouwer foi conhecido por abrigar um lixão que acumulou, em oito locais sem membrana e outro de enterramento de altura, 12 milhões de toneladas de lixo da capital e municípios vizinhos.
Após anos de luta, foi fechado em 2010, mas nunca foi “remediado” para reduzir seus impactos ambientais e sanitários, como pedem os moradores e a prefeitura local. “Além de afetar a qualidade de vida, o lixão ainda contamina a água, o solo, por escorrimento superficial, e a atmosfera, pelos gases emitidos”, disse ao Terramérica o assessor ambiental do município, Adolfo González.
Mas o festival de contaminações tem outros convidados, disse ao Terramérica a encarregada de imprensa do movimento Bouwer Sin Basura (Bouwer Sem Lixo), Nayla Azzinnari. Um depósito judicial de veículos, um incinerador de lixo patogênico (já fechado), uma fundição de chumbo cuja chaminé aberta intoxicou, entre 1984 e 2005, dezenas de moradores, um carregamento de 12 toneladas de DDT e outros praguicidas perigosos que chegou também em 2005 e teve de ser retirado pelos protestos dos moradores, uma fossa com dejetos industriais tóxicos…
E, como se não bastasse tudo isso, a constante aplicação de agrotóxicos que são lançados sobre as plantações vizinhas de soja, como no resto dos municípios rurais de Córdoba. “É um coquetel de contaminantes. Não podemos aceitar novas fontes”, protestou González. E Bouwer tem muito mais para seu festival. A municipalidade de Córdoba e o governo provincial instalarão um novo lixão, a 600 metros do primeiro, que receberia cerca de 2.500 toneladas diárias de resíduos dessa cidade e de municípios vizinhos.
“Soa como piada. Tirar um lixão e trazer outro para o mesmo lugar”, opinou ao Terramérica outra integrante da Bouwer Sin Basura, Mónica Rescala. Na escola rural Cornelio Saavedra, próxima ao antigo lixão e a cerca de mil metros do novo, alunos, professores e mães como Rescala veem um vídeo que explica seus riscos. “Chamavam nossa atenção o cheiro e a quantidade de bichos na escola: ratos gigantes, moscas. Não podíamos trabalhar nesse ambiente insalubre”, contou ao Terramérica sua diretora, María Teresa Destéfanis. A instituição, em cruel ironia, não tem serviço de coleta de lixo.
Em outubro, o prefeito Juan Lupi decretou estado de “emergência sanitária”. Entre 2000 e 2012, a mortalidade infantil de Bouwer foi de 22,01 mortes para cada mil nascidos vivos. A taxa, obtida a partir de nascimentos e mortes de seu Registro Civil, quase duplica a provincial, de 11,1 mortos para mil, em 2010. A mortalidade perinatal (bebês nascidos mortos ou falecidos na primeira semana de vida) foi de 25,27 para cada mil, duas vezes e meia maior do que a taxa da província.
No entanto, não há estudos epidemiológicos a respeito. Também causa alarme a quantidade de doenças respiratórias e dermatológicas, câncer, abortos espontâneos, nascimentos prematuros. “Começamos a ver malformações em animais, que aconteceram em grande número em 2008: cães com lábio leporino, porcos que nasciam pelados, com a pança e os testículos cheios de água, gatos sem dedos, frangos sem patas”, descreveu Rescala.
A Fundação para a Defesa do Meio Ambiente (Funam) alerta que viver perto de um lixão “é perigoso, porque seus gases podem provocar câncer de bexiga, estômago, fígado, próstata, pulmão, coluna cervical e útero, leucemia, alterações no desenvolvimento embrionário e fetal, menor peso dos bebês ao nascer e inclusive malformações”. Esses lixões “emitem majoritariamente metano e dióxido de carbono, além de outros compostos que incluem gases tóxicos e cancerígenos”, segundo a entidade.
ArgentinaCartazLixaoBouwer TERRAMÉRICA   Um festival para o lixo
Um dos muitos cartazes com que os moradores pressionaram e denunciaram a situação que vivem. Foto: Cortesia Bouwer Sin Basura
“Nesses campos contaminados, carentes de membrana, nota-se a persistência dos resíduos, cujas substâncias voláteis, muitas delas tóxicas e cancerígenas, podem ser levadas pelo vento para lugares distantes. Além do mais, o cheiro é nauseabundo”, explica a Funam. Segundo González, está para ser aprovada a instalação de um “landfarming”, local para tratamento biológico de resíduos da indústria petroleira, a dois quilômetros e meio de Bouwer.
Os alunos da escola desenham o que interpretaram do vídeo. “Não quero que haja lixo neste lugar”, disse Alan Serrano, de dez anos. “Vivendo no campo enorme, não há lugar para jogar futebol. Quero estar livre na rua, mas tenho que ficar em casa, e sempre com um pano para impedir a entrada de moscas e do mosquito da dengue”, lamentou.
O informe que considerou “ótimas” as imediações de Bouwer para a instalação do novo lixão esteve a cargo da Universidade Nacional de Córdoba, a pedido do governo municipal da capital provincial. Mas o secretário de Ciência e Tecnologia dessa universidade, Joaquín Navarro, esclareceu ao Terramérica que se trata apenas “da primeira parte do estudo”. “A segunda parte, sobre os aspectos socioambientais específicos das zonas trabalhadas pelas equipes nos territórios, está em sua etapa final, estão sendo feitas as correções do rascunho já revisado pela municipalidade”, detalhou.
Porém, nessa primeira parte fica claro que Bouwer é um lugar muito vulnerável no panorama cordobês. Seu desemprego e analfabetismo estão entre os mais altos, 63,3% de sua população não têm cobertura de saúde – a maior proporção entre as localidades estudadas – e quase 24% de seus habitantes vivem com necessidades básicas insatisfeitas.
Enquanto setores acadêmicos e governamentais analisam esse informe, e nos bastidores se justifica que “em algum lugar é preciso jogar o lixo”, os moradores de Bouwer sabem que há outras soluções. “Que todos se conscientizem e comecem a reciclar”, afirmou Rescala, que recicla quase 100% de seus resíduos, apesar de ter à mão tantas lixeiras. “Sabemos que não pode haver uma zona de sacrifício. Desta vez cabe a Bouwer, mas poderia ser qualquer outro povoado”, ressaltou. Envolverde/Terramérica
* A autora é correspondente da IPS.
 Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação apoiado pelo Banco Mundial Latin America and Caribbean, realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.

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