ELIAS, Norbert; e
SCOTSON, John. L.; Os estabelecidos e os
outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma comunidade;
Tradução Vera
Ribeiro; tradução do posfácio à edição alemã,
Pedro Süssekind – Rio de Janeiro: Jorge Zahar - Editor, 2000, 224 p.
Silvana Aparecida Pinter Chaves - Departamento
de Educação — Instituto de Biociências Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” – UNESP
Rio Claro – São
Paulo - pinter_chaves@yahoo.com.br
Norbert Elias nasceu em 1897 na cidade
de Breslau, hoje Wroclaw, na Polônia.
A sua família era de “judeus alemães,”
como tantas outras que viviam em um
mundo social atravessado pela tensão entre o sentido de inclusão e o de
exclusão, uma vez que os judeus ocupavam o lugar de minoria estigmatizada naquela
figuração social que era a nação alemã na época.
Em pesquisa realizada durante
aproximadamente três anos, na pequena comunidade industrial urbana, de nome
fictício de Winston Parva, no sul da Inglaterra, do século XX, Elias e Scotson
mostram uma clara divisão, em seu interior, entre um grupo de residentes
estabelecido desde longa data num bairro relativamente antigo e, ao redor dele,
duas povoações formadas em época mais recente, cujos moradores eram tratados
pelo grupo dos estabelecidos como outsiders.
A pesquisa começou, como muitas
outras, porque moradores de um desses bairros tinham um índice de delinqüência
sistematicamente mais elevado que o dos outros.
É um livro de pesquisa que
combina dados de fontes diferentes: estatísticas oficiais, relatórios
governamentais, documentos jurídicos e jornalísticos, entrevistas e,
principalmente, de permanente observação.
As diversas fontes proporcionam
compreender os laços de interdependência que unem, separam e classificam
segundo a sua importância, os indivíduos e grupos sociais, em relação de poder
constante.
O que Elias e Scotson nos mostram nesse livro é a relação de poder entre dois grupos de moradores que
não se diferenciam quanto a seu tipo de ocupação, religião, educação,
nacionalidade, classe social, cor, raça, mas sim no que se refere ao tempo em
que residiam na comunidade.
O grupo estabelecido os estigmatizava
como pessoas de valor inferior, tratavam os moradores novos como indivíduos que
não se inseriam no grupo, como forasteiros, “os de fora.”
Essa comunidade fazia
parte de uma área de construções
suburbanas nos arredores de uma grande e próspera cidade industrial da região central da Inglaterra.
Uma ferrovia
separava-a de outras partes desse
conjunto que proliferava; uma ponte sobre a via férrea era o único elo com Winston Magna e com o
restante de Winston. Ali viviam menos de 5.000 habitantes, que formavam
uma comunidade bastante coesa, com suas
próprias fábricas, igrejas, lojas e
clubes.
A área se compunha de três bairros,
conhecidos e reconhecidos como diferentes pelos próprios moradores. A Zona
1 era o que se costuma chamar de área
residencial de classe média. As Zonas 2 e 3 eram áreas operárias, uma das
quais, a Zona 2, abrigava quase todas as fábricas locais. As Zonas 2 e 3 eram
divididas em duas áreas que eram denominadas de um lado, o grupo residente na
aldeia, que era povoado pelos moradores já havia três gerações e devido a esse
fator se julgava senhor de direitos especiais; e de outro lado, o grupo dos
moradores do loteamento que era visto pelo outro grupo como inferiores, somente
pelo fato de serem moradores há menos tempo e devido a esse fator, eram
tratados como outsiders.
O grupo dos moradores da aldeia vêem-se como pessoas
melhores, dotadas de uma relação grupal sólida, de uma virtude específica que é
compartilhada por todos os seus membros, enquanto que o grupo de moradores do
loteamento não tinham esse tipo de relação grupal e isso os tornavam isolados e
inferiores com relação ao outro grupo.
O único contato que havia entre eles era
o exigido por suas atividades profissionais.
Devido a essa relação sólida, o grupo
dos estabelecidos reservava para as
pessoas de sua relação grupal, cargos importantes como o conselho, a escola ou
ao clube e deles excluíam os moradores da outra área.
Assim, a exclusão e a
estigmatização dos outsiders pelo grupo estabelecido afirmava sua superioridade
e sua relação de poder, pois havia uma acentuada coesão e integração no grupo o
que não se via no grupo dos moradores do loteamento.
O grupo dos antigos
residentes, famílias cujos membros se conheciam havia muito tempo estabeleciam
para si um estilo próprio e um conjunto de normas e se orgulhavam disso.
Apesar
de Winston Parva ser uma comunidade relativamente homogênea segundo religião,
renda, educação, ocupação, língua, nacionalidade, sua população estava dividida
de um lado pelo grupo que residia no bairro denominado “aldeia” onde os
moradores eram aqueles que exerciam o poder, pois, eram moradores antigos do
local e se denominavam por estabelecidos e perfaziam 80% da população a qual
havia 80 anos residia no local, e a do grupo que residia no bairro denominado
por “loteamento” e eram estigmatizados por serem considerados estrangeiros,
pois moravam apenas há 20 anos no local, perfazendo 25% da população. Devido a
essa mudança temporal na comunidade que os mesmos eram excluídos do convívio
com os moradores da aldeia.
Eram trabalhadores braçais, operários
não-especializados e os outsiders eram desconsiderados e marginalizados pelo
simples fato de residirem na comunidade há menos tempo. Elias nos mostra a
relação de poder entre esses dois grupos e suas particularidades quanto a esse
poder.
O fator tempo de residência é o determinante de poder entre os mais
antigos perante aos mais novos moradores, e essa relação de tempo é fator
gerador para a estigmatização dos moradores mais novos da comunidade, e aqueles
indivíduos que não faziam parte desse grupo eram simplesmente excluídos.
O
trecho a seguir exemplifica bem essa temporalidade e detenção de poder por parte
dos moradores da aldeia As pessoas, na comunidade dos estabelecidos, utilizavam
contra os moradores do loteamento a “fofoca”, como marco de estigmatização.
Os
estabelecidos denegriam a imagem do outro grupo e isso lhes davam status,
facultando-lhes exercerem certo centralismo na propagação de regras, valores,
normas e verdades (absolutas, estáticas, cristalizadas). Não havia os mesmos
laços de parentesco nas famílias do loteamento e isso contribuía para o
isolamento das mesmas. As operárias com filhos pequenos enfrentavam grandes
dificuldades para encontrar quem cuidasse de seus filhos quando saíam para trabalhar. Em Winston Parva, como em outras
áreas industriais, tinha a comunidade jovem que também era marcada pelas
diferenças entre as comunidades e, em se tratando das três Zonas, alguns jovens
que eram delinqüentes ou quase delinqüentes em sua maioria provinham da Zona 3,
alguns da Zona 2 e nenhum da Zona 1.
Como em toda parte, só uma minoria desses
jovens era levada aos tribunais. Na Zona 3, 17 dos 19 delinqüentes juvenis
foram levados aos tribunais por crimes contra a pessoa ou propriedade. Para um
distrito de suas dimensões, os recursos que Winston Parva oferecia aos jovens
eram muito precários.
O cinema servia de ponto de encontro para multidões de
adolescentes, que eram particularmente afetados pelo fato de sua sociedade não
lhes oferecer papéis claramente definidos.
Para Elias, muitos desses jovens,
chamados ‘delinqüentes”, pareciam
esbarrar nos muros da prisão invisível em que viviam, gastando suas energias na
tarefa de chatear e provocar todos aqueles que lhe davam a vaga sensação de
serem carcereiros, numa tentativa de escapar ou de provar a si mesmos que a
opressão era real.
Esses mesmos autores relatam a questão da anomia,
que refere-se a “um estado de ausência, de falta de regras e de ordem, de não
estrutura; possuía o sentido que eles chamaram normativo de um julgamento
moral, associado aos mesmos valores que, em Winston Parva, serviam para
estigmatizar os outsiders, devido ao fato dos moradores do loteamento aceitarem
sem se impor a condição de excluídos pelos moradores da aldeia..
As categorias,
estabelecidos e outsiders, se definem na relação que as nega e que as constitui
como identidades sociais.
Os indivíduos que fazem parte dessas comunidades
estão ao mesmo tempo unidos, mas também separados por uma relação de
interdependência grupal.
Pode-se constatar nesse livro que a superioridade
social e moral, o pertencimento e a exclusão são elementos da sociedade dos
indivíduos e que entre os estabelecidos e os outsiders, na esfera social,
exemplificam as relações de poder
.Como se pôde observar, os autores conferem a
este livro uma atualidade, sugerindo caminhos para analisar, criticar e
reformular algumas questões contemporâneas em torno de expressões como exclusão
social e violência social.