As origens
ideológicas do nazismo
Cinco especialistas alemães explicam as bases ideológicas da ditadura
nazista, que era centrada no racismo, no antissemitismo e no nacionalismo e
contrária ao comunismo e aos sindicatos. "[O nazismo] era profundamente
enraizado em tendências extremistas de direita que já existiam ao fim da
Primeira Guerra Mundial", explica.
Nazistas ocupam um
sindicato em Berlim, em 2 de maio de 1933
Foto: DW / Deutsche Welle
O Nacional-Socialismo e o conceito de volksgemeinschaft (comunidade
nacional) eram antiliberais, racistas e nacionalistas", diz o historiador
André Postert, do Instituto Hannah Arendt, de Dresden.
O debate sobre a orientação ideológica do nazismo se espalhou pelas
redes sociais nos últimos anos, no contexto da polarização política no Brasil,
e chamou atenção internacional depois que internautas contestaram um vídeo da
Embaixada da Alemanha que alertava para os perigos de ideologias de extrema
direita.
O movimento nazista era contra o capitalismo praticado nos EUA, mas
críticas a esse modelo econômico eram comuns na época devido à crise financeira
de 1929. O nazismo também se opunha fortemente ao marxismo e ao bolchevismo por
associá-los - assim como o capitalismo liberal - à "luta dos judeus pelo
poder mundial".
A Realidade:
Ocorre que ser socialista era, como veremos nas linhas que se seguem,
interessante em um dado momento pois agradava as massas populares alemãs!
Portanto, apesar de carregar o termo socialista em seu nome, o NSDAP
estava bem distante do socialismo. "O rótulo 'socialista' e o tom amigável
ao trabalhador ajudaram Hitler a ganhar amplo apoio entre essa parcela da
população", conta o pesquisador Paul-M. Rabe, do Centro de Documentação de
Munique para a História do Nacional-Socialismo.
Ala à esquerda foi expurgada
O Deutsche Arbeiterpartei (Partido dos Trabalhadores Alemães), que
antecedeu o NSDAP, foi criado em 1919 inspirado pela Sociedade Thule para
solucionar um "problema": a classe trabalhadora pendia para a
esquerda. "O começo do Nacional-Socialismo está numa sociedade secreta,
claramente de direita e que tinha entre seus membros integrantes da
aristocracia alemã", diz Zarusky.
Adolf Hitler entrou no partido e logo se tornou sua figura principal,
transformando-o no NSDAP. Sob o seu comando, o partido se opôs à teoria
marxista da luta de classes e defendeu a formação de uma comunidade nacional
alemã que integrasse os trabalhadores. "Na visão fascista, marxistas e
comunistas dividiam a comunidade nacional, cuja construção era o objetivo
político nazista", afirma o historiador Michael Wildt, professor da
Universidade Humboldt, de Berlim.
O partido nazista até possuía correntes à esquerda, mas todas elas
concordavam com a abolição do sistema liberal da República de Weimar, com o
antissemitismo e com o nacionalismo. Nesse núcleo estavam Gregor e Otto
Strasser e, inicialmente, Joseph Goebbels, o poderoso ministro da Propaganda da
Alemanha nazista.
Nos 1920, o programa do NSDAP incluía elementos mais radicais ao
capitalismo para atrair os trabalhadores. Contudo, antes mesmo de chegarem ao
poder, em 1933, os nazistas eliminaram essa ala à esquerda. O então chanceler
Kurt von Schleicher buscou rachar o movimento nazista em 1932, tentando formar
uma ponte entre o setor de Gregor Strasser, visto como um competidor de Hitler,
e os sindicatos, os social-democratas e partes dos militares.
A estratégia falhou. "Gregor Strasser, Ernst Röhm e muitos outros,
que se apresentaram como revolucionários sociais, foram mortos na Noite das
Facas Longas, em junho de 1934. Hitler sabia que precisava das elites
conservadoras, das classes médias altas e dos industriais para seus planos
expansionistas", diz Postert.
Após chegar ao poder, Hitler passou leis emergenciais para restringir a
liberdade pessoal, o que lhe permitiu perseguir e prender líderes comunistas e
banir deputados comunistas, sindicatos e todos os demais partidos políticos.
Sociedade ariana
O conceito de socialismo de Hitler era completamente oposto ao da União
Soviética, tendo a raça como base. Em 1932, o líder nazista disse: "O
comunismo não é socialismo. O marxismo não é socialismo. Os marxistas roubaram
o termo e confundiram seu significado. O socialismo é uma antiga instituição
ariana e germânica […] Para nós, Estado e raça são um."
Atenção
A volksgemeinschaft seria, assim, algo exclusivo da etnia germânica.
Esse racismo estava presente também na tentativa de implementar um Estado de
bem-estar social, usado como ferramenta para garantir apoio entre os
trabalhadores. O sistema excluía imigrantes, judeus, opositores e aqueles
considerados "sem valor", como deficientes e homossexuais.
Antes mesmo de 1933 foram criadas organizações de massa, como a Frente
dos Trabalhadores Alemães e a Força pela Alegria, para garantir a lealdade dos
trabalhadores. Entrar para o partido nazista também abria oportunidades.
"Ainda que o regime não tenha tocado na propriedade privada e a situação
da classe trabalhadora não tenha mudado fundamentalmente, os nazistas
integraram grande parte dos trabalhadores em sua utopia social, enquanto
destruíam as estruturas e organizações da esquerda política", diz Postert.
Uma das tentativas de consolidação da comunidade nacional foi a construção
de pequenas casas e apartamentos nos anos 1930. "Quem quisesse essa
habitação tinha que provar nunca ter sido membro de organizações de esquerda ou
não ser de origem judia", explica Zarusky.
Mas, na realidade, completa o historiador, esse tipo de projeto não era
a prioridade dos nazistas. O mais importante era a guerra, e o conflito logo
resultaria na destruição dessas casas.
Racismo era central
A ideologia racista, o antissemitismo e o imperialismo (a única forma de
aumentar as exportações alemãs, segundo Hitler, era a conquista de território)
superavam o sentimento anticapitalista.
A ditadura nazista impôs algumas medidas para centralizar a economia e
focá-la na preparação para a Segunda Guerra mundial, mas não confiscou
propriedade privada de alemães, não proibiu o acúmulo de riqueza nem aboliu o
capitalismo.
"Essas 'credenciais' socialistas do regime nazista baseavam-se na
rejeição do capitalismo financeiro e não no socialismo", afirma o
historiador Arnd Bauerkämper, da Universidade Livre de Berlim.
O regime pretendia construir um modelo que funcionasse para a Alemanha
e, naquele momento, a prioridade era aumentar a capacidade bélica do país. Assim,
a ditadura nazista aliou-se aos industrialistas para produzir armamentos e
consolidar seu poderio militar.
O sistema econômico foi, contudo, "arianizado", com o confisco
de propriedades de judeus. "Numa abordagem racista, não importa se alguém
é capitalista. É muito mais relevante que esse capitalista seja alemão e não
judeu", diz Wildt.
Dessa forma, os nazistas poderiam ser contra os "capitalistas
judeus malvados", ao mesmo tempo em que incluíam os "bons empresários
e mercadores alemães" na volksgemeinschaft. "A maioria das grandes
companhias e empresários não demonstrou dúvidas razoáveis sobre o regime. A
resistência ao nazismo veio dos antigos partidos da classe trabalhadora, dos
comunistas, dos socialdemocratas e da esquerda", conclui Zarusky.
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