O cantor Erasmo Carlos está bem humorado e eufórico com o lançamento do seu novo álbum, “Rock ‘n’Roll”, que, como o próprio nome já diz, traz o Tremendão de volta para suas raízes. Guitarra, baixo, bateria e a rebeldia romântica do rock estão dignamente bem abusados em seu novo trabalho, que , talvez, seja um dos melhores discos de rock nacional de 2009.
Além de comentar sobre as faixas do seu novo álbum, como “Cover”, uma brincadeira com ele mesmo, já que nunca viu um cover de si, e “Olhos de Mangá”, que retrata o olhar escravizador das mulheres, Erasmo ainda discute sobre a indústria fonográfica, sua fama de galã e bad boy, o amor no rock'n'roll e também sobre FHC e a maconha. Confira a entrevista!
ONNE – Como você nunca encontrou o seu cover?
Erasmo Carlos - Nunca vi bixo; nunca vi cover nenhum. Não é pessoa que parece comigo. Pessoa que parece comigo tem uma porção por aí. É cover mesmo que eu digo, aquele cara que imita o artista, que anda igual o artista, roupa igual a do artista, fala, vive, canta, sabe da vida do artista mais do que o próprio artista. Aquele cara que eu não encontro por aí, como cover de Roberto Carlos, cover de Raul Seixas, de Elvis Presley. São caras assim que eu nunca encontrei.
ONNE – Sobre o álbum, Rock’n’Roll é um nome tão simples e tão intrínseco a sua pessoa. Por que Erasmo Carlos Rock’n’Roll?
EC - Há muito tempo que eu estava me devendo este disco só de rock. Eu sempre gravo rock; quer dizer, desde os anos 80 que eu não faço disco voltado para o ritmo. É sempre uma música aqui, outro ali, um samba, sabe muito misturado. Porque eu sou um compositor brasileiro, sofro influência de tudo, dependendo muito do meu estado de espírito. Às vezes eu acordo querendo fazer um samba, por exemplo. Aí eu faço. Mas eu estava com saudade mesmo de me voltar todo pro ambiente roqueiro, para realidade roqueira. Os fãs vêm me cobrando um disco mais de guitarra, com menos teclados. Então eu fiz uma leva [de músicas] boa. Fiz umas 25 músicas. Além dessas que eu gravei, ainda sobrou uma para Os Mutantes, que eles gravaram agora, chama “Singing the Blue” - Cantando as Tristezas -, está no disco novo que saiu lá fora. Então, foi uma leva boa de rock’n’roll, e eu disse: “chegou a hora!”.
ONNE - Falando um pouco das músicas, “Olhar de Mangá” apresenta diversas mulheres e cita vários nomes como Xuxa, Daniella Cicarelli e Janis Joplin. Que tipo de mulher você quis retratar?
EC - Logicamente, isso é tudo uma grande brincadeira. Eu quero falar do olhar da mulher. Aquele olhar que te escraviza na hora. E ela faz o que quiser de você. O “Olhar de Mangá” foi um nome que eu achei para dar a este olhar. Então, em uma brincadeira, eu lembrei do olhar dos mangás japoneses e fiz este paralelo. Inclusive, neste caso da música, o olhar é do masculino para o feminino, mas “O Olhar de Mangá” não tem sexo para mim. É o olhar que escraviza o ser amado, pode ser masculino ou feminino. No caso da música, no meu caso, foi do masculino para o feminino.
ONNE - Você é considerado um sexy symbol para muitas gerações de mulheres. Você pensa em mulher o tempo todo?
EC - Bixo, eu vivo para minha família, para música e para mulher (risos). Sabe, são os meus pensamentos na vida.
ONNE - E qual é o tipo mulher que você mais admira?
EC - Não tenho distinção, bixo. Antigamente, no tempo que eu era mais quantitativo – hoje, sou mais qualitativo - eu diria que era a que tivesse mais perto. Hoje em dia não. Hoje é a que andar comigo, a que for companheira. Pode até ser machismo, mas mulher minha tem que ser igual a mulher de motociclista: tem que andar na garupa e ir pra onde eu for. Pode ser machismo isso. Ótimo é machismo e pronto. Mas mulher, para mim, tem que ser assim: mulher companheira acima de tudo, amiga, mãe, filha, amante. Ela tem que ser tudo em uma mulher só. Não me importo nem se ela tiver celulite. Não me importo se não souber fazer um arroz.
ONNE – E como foi trabalhar com Nando Reis neste álbum?
EC – A minha admiração pelo Nando já existe há muito tempo. Sempre que a gente se encontrava, a gente falava: “Pô, vamos fazer alguma coisa”. E como já teve esse papo, já abriu as portas, foi só trocar email. Eu mandava a música, e aí ele mandava a letra, depois a gente discutia a letra. Tudo troca de emails.
ONNE - Música a distância hoje, com a tecnologia.
EC - Pô, este é primeiro disco que eu estou desfrutando da tecnologia, desde a parte da produção até a parte de divulgação. Nós estamos usando tudo disponível ao nosso alcance, as novas mídias, procurando usar todas elas. É a primeira vez que eu trabalho assim.
ONNE - Mas a tecnologia hoje, para o meio artístico, é uma faca de dois gumes, enquanto ela te promove de diversas formas ela também tem o risco do download ilegal e da pirataria. Como vocês estão trabalhando para evitar esses problemas?
EC - Ninguém está trabalhando para evitar isso, porque já existe. O que se faz é tomar precauções, não liberar download, por exemplo. Eu acho que é a última fortaleza que nos resta. Porque é uma sacanagem: você faz a música com um monte de gente envolvida e tudo mais. Se o cara tiver que baixar, ele baixa no myspace. Você baixa e ouve a música. Agora você gravar a música e levar o seu cão para passear ouvindo no walkman, a música que profissionais fizeram, aí eu acho sacanagem. Aí você está roubando dinheiro da coisa. Agora se você usar para consulta, para mostrar para alguém, eu acho lógico. Por isso que a gente libera no myspace; mas não libera o download. Mas a culpa não é do público. O público foi acostumado assim. A culpa foi das gravadoras, que lá no início não prestaram atenção na internet, não procuraram meios de parcerias, não procuraram nada. Porque aí o público teria sido ensinado a agir de outra forma. Não ligaram, virou a bagunça que é, e hoje não dá mais para consertar a bagunça.
ONNE - No passado você teve problemas com a polêmica da maconha. Como você encarou os recentes discursos de FHC sobre a descriminalização da maconha?
EC - O Fernando Henrique sabe o que faz, bixo. Ele é um cara consciente, visionário, muito culto e faz parte, inclusive, de uma cúpula que pode decidir essas coisas. Eu acho muito certo esse tipo de pensamento. Hoje está muito atrasado; já devia, há muito tempo, ser [descriminalizado]. Não só esse tema, como outros temas muitos polêmicos deveriam ser considerados por pessoas que realmente têm cabeça. Tem um monte de coisas erradas que a cúpula já deveria ter decidido. Então não definem e isso gera polêmica, desgaste, mas tudo de coisas pequenas. Quando eles quiserem, tiverem vontade política de resolverem os grandes problemas do mundo, eles resolvem, porque tem que fazer. É o aborto, a eutanásia, as drogas. São temas que existem, estão na cara, invadem a sua casa, ou pela televisão ou, em tantos lares, na carne mesmo. No entanto, é sempre prorrogado, nunca é discutido por pessoas capazes de discutir; de medir os prós e contras com sabedoria. Mas o que Fernando Henrique falou, eu assino em baixo.
ONNE – Falando um pouco mais sobre covers, qual foi o melhor cover que você já fez?
EC - Eu fiz de Elvis no programa do Roberto. Eu acho que foi a minha primeira e única vez. Eu não me lembro de eu imitando outra pessoa. Bom eu não imitei, eu só me travesti e cantei as músicas. Este dia foi glorioso, foi um especial que eu fiz com o Roberto; eu e ele vestido de Elvis. E a gente fez um medley com músicas do Elvis e depois a gente termina aplaudindo o céu. Lindo, maravilhoso. Foi um momento grandioso para mim. O primeiro e único que eu fui cover.
ONNE - E qual reinterpretação de Erasmo Carlos mais te comoveu?
EC - Ah bixo, têm um monte. “É Proibido Fumar” do Skank é arrasador, bixo. Me surpreendeu mesmo, para melhor, de uma forma que não tem nem comparação com nada assim. O meu “É Proibido Fumar”, com o do Roberto, que o original é dele, canto sempre nos shows. Mas nada se compara ao “É Proibido Fumar” do Skank. “É Preciso Saber Viver”, do Titãs é muito bonito, bixo. São gravações que realmente ofuscaram o original. Têm regravações que não acrescentam nada. É apenas uma interpretação diferente, uma leitura diferente da música. Mas não acrescenta; nem melhora, nem piora. Mas têm umas que são definitivas, e essas duas eu acho muito bonitas.
ONNE - Voltando a falar da música. Como está agora tocando com uma banda completa?
EC- Cara, deu certo. Deu certo porque a mulecada nova, que tem a ver comigo, gosta dos sons que eu gosto. Também tem isso. Não daria certo se eles não gostassem, se fosse outra praia. Ganharam de cara pelos vocais, porque no meu disco eles só fazem vocal. Eu nem sabia que eles eram instrumentais também. Quando eu soube que eles tocavam, e quando eu vi eles tocarem, ah, aí eu me apaixonei de vez. A banda também é Dadi (Carvalho), uma pessoa que eu amo, uma lenda viva da música, mais o Billy Brandão, que é o guitarrista solo, e o José Lourenço, que é o meu maestro há 25 anos, sabe tudo de música. Então, estou muito feliz, tem um sonoridade legal. Eu posso falar isso porque já fizemos o primeiro show. Antes eu não falaria, mas agora eu tenho certeza disso.
ONNE - Você é considerado por muitos destes nomes que você acabou de falar como o pai do rock’n’roll brasileiro. Quais foram as grandes influências e inspirações para fazer este disco totalmente de rock?
EC - Minhas influências sempre foram as básicas; o rock’n'roll básico. De Bill Haley, Elvis, Gene Vincent, Jerry Lee Lewis e Little Richard. Agora, eu sou muito influenciado, dentro deste universo, pelos grupos vocais. Eu vim de um grupo vocal, eu comecei minha vida em um grupo vocal. Então eu sou muito vidrado em um grupo vocal, que é uma coisa que não é muito valorizada no Brasil, mas eu dou um valor incrível. Desde os tempos do The Diamonds, The Del-Vikings,The Coasters, The Platters, esse horizonte sempre me fascinou. Os Estados Unidos têm uma cultura vocal muito grande, que vem dos negros lá do Mississipi, tocando piano, gospels.
ONNE - A Rita Lee, no seu site, disse que é chegada em um machão. Você se considera um bad boy?
EC - Olha, eu já fui mais. Agora bad boy também é pela sua postura, é pelo que você diz, pelo que você faz. O meu físico ajuda isso. Então é um monte de coisas. Quem me considera um muro, por exemplo, “Oh, o Erasmo é um muro”, mas pode ser um muro de isopor. Não é assim, eu sou um cara muito romântico, muito sensível, mas tenho essa aparência de rude. Eu sou tímido no fundo, mas tiro muito partido dessa minha aparência de bad boy. Bad boy já não é tão boy. Mas continua bad.
ONNE - Você falou um pouco do amor. Você acha que nessa rebeldia do rock’n’roll tem espaço para o amor?
EC - Tem, claro. O rock’n’roll é amor. É contestação, rebeldia, mas também é amor. Inclusive quando surgiu, o rock era amor, letras românticas. Hoje em dia também, mas foi postura que foi apontada como rebeldia. A primeira leva do rock foi rebelde realmente, porque foi uma libertação. Rock para mim é liberdade, acima de tudo. Quando surgiu, foi a proposta da juventude de se sentir livre, com aquele ritmo e com a dança. A dança é importantíssima. Todo mundo se esquece da dança quando falam em rock. A dança talvez era o aríetes do movimento, que abria junto com o ritmo as portas da libertação da juventude. As letras de protesto vieram depois. E o sexo sempre comandou desde o início. Primeiro timidamente, ingenuamente e hoje em dia mais bravo, mas sempre comandou. E o amor sempre esteve de mãos dadas com o rock’n’roll.
Alguns Minutos com Erasmo Carlos
por Rafael Machtura, redação ONNE Divulgação/Gilda Midani